Introdução

Nos 90 anos de um tio querido, logo após o cântico de parabéns, as pessoas se reuniram em expectativa, ansiosas por ouvir algumas palavras de alguém que carrega uma aura de serenidade.

De forma simples e direta, ele disse que nunca foi uma pessoa de muitas palavras, mas que sua maior alegria estava em escutar. E acrescentou: "Precisamos ter cuidado com as palavras, pois elas são como flechas — uma vez lançadas, não voltam atrás e podem ferir".

Por um instante, admirei a riqueza da sabedoria que se manifesta nas pessoas mais vividas. Em um mundo que valoriza quem fala mais alto, ele me lembrou que ouvir é um ato poderoso. Escutar nos permite assimilar melhor o que está sendo dito, tornando-nos mais objetivas(os), sensíveis e conscientes.

Meses depois, tive outra grande lição, dessa vez de uma tia amada. Com sua generosidade e afeto, me acolheu para uma conversa sobre espiritualidade. Durante esse encontro, uma de suas falas me marcou profundamente: "Mesmo em meio à agitação do mundo e às distrações da sociedade do consumo, nunca devemos esquecer de onde viemos".

A partir disso, rapidamente surgiu uma analogia em minha mente: somos como plantas, e quando somos deslocadas para um novo ecossistema, carregamos nossas raízes conosco.

Se você chegou até aqui, talvez esteja se perguntando: qual é o ponto de reflexão deste texto?

Esses dois ensinamentos me lembraram da importância de cultivarmos humildade intelectual, que pode ser definida como um método de pensamento que nos leva a reconhecer o que sabemos e o que não sabemos.

Ser intelectualmente humilde significa acolher a possibilidade de estarmos erradas(os) e estar abertas(os) a aprender com a experiência do outro. É um exercício de curiosidade ativa sobre aquilo que ainda não percebemos.

Humildade intelectual em uma sociedade interconectada

Vivemos em um mundo cada vez mais interconectado e complexo. Com o avanço da tecnologia, tornou-se mais fácil mentir e espalhar informações falsas, o que exige que sejamos cada vez mais curiosas(os) e criteriosas(os) em relação ao que consumimos.

Quando uma pessoa pratica a humildade intelectual, ela reconhece suas próprias lacunas de conhecimento e entende o quão desafiador é dar significado ao que acontece ao seu redor.

Em outras palavras, significa estar ativamente em posição de escuta, reconhecendo limitações e construindo novos entendimentos a partir das interações e relações.

As vozes que nos cercam

No livro Teoria U, Otto Scharmer apresenta três instrumentos que, para mim, demonstram a possibilidade do aprofundamento da humildade intelectual: uma mente aberta, um coração aberto e uma vontade aberta.

Ter uma mente aberta significa estar disposta(o) a silenciar preconceitos que dificultam a criatividade e a conexão humana.

Pode parecer óbvio, mas carregamos julgamentos o tempo todo. Muitas vezes, nos pegamos pensando coisas como:

• "Eu já vi isso antes, sei exatamente como vai acabar".
• "Coitada(o), ela(e) não entende como as coisas funcionam aqui".

Para superar esses padrões e expandir nossa visão de mundo:

• Busque novas referências – diferentes perspectivas podem iluminar aquilo que não percebemos.
• Escute ativamente – conecte-se genuinamente com o que está sendo dito, sem filtrar tudo pelos padrões do passado.
• Reconheça os limites da sua interpretação – a realidade é mais ampla do que conseguimos enxergar sozinhas(os).

Um coração aberto representa vencer a "voz interior do cinismo". Precisamos ser autênticos, o que nos leva a acolher a vulnerabilidade de às vezes não sabermos o suficiente caso queiramos co-criar um futuro inovativo.

A melhor forma de nos conectarmos com o mundo não é observando de longe, mas participando ativamente. Só conseguimos sentir a realidade se nos permitimos vivê-la, sem a postura arrogante e desapegada que frequentemente acompanha o cinismo.

Por fim, é preciso uma vontade aberta. Temos de ter a coragem necessária para abrirmos mão do que temos a fim de alcançarmos o nosso máximo.

Somos naturalmente resistentes à mudança, pois temos medo de:

• Perder status ou segurança;
• Ser rejeitada(o) pelas outras pessoas;
• Lidar com a incerteza do desconhecido;
• Tomar uma decisão errada e não alcançar o resultado esperado.

A voz do medo pode nos paralisar, criando ambientes rígidos e resistentes à inovação. Buscamos certezas que não existem, nos apegamos ao passado e sufocamos novas possibilidades.

Superar essa barreira exige desenvolver coragem para deixar padrões antigos para trás, caminhar pelo desconhecido e transformar aprendizados em ação.

Conclusão

Quando aprendemos a lidar com as vozes do julgamento, do cinismo e do medo, desenvolvemos um novo olhar sobre nós mesmas(os) e cultivamos humildade intelectual.

No mundo atual, onde há um excesso de informações e um culto à certeza, é preciso resgatar a capacidade de escuta ativa, além da coragem para dizer "eu não sei" e para mudar de ideia quando novas evidências surgem.

Ter humildade intelectual não significa abandonar as ideias em que acreditamos. Significa que precisamos ser criteriosas(os) com nossas convicções, estar abertas(os) para ajustá-las, buscar suas falhas e nutrir uma curiosidade genuína sobre o que ainda não conhecemos.

Para desenvolver essa habilidade, precisamos reconhecer que nossas mentes são mais imperfeitas e imprecisas do que gostaríamos. Muitas vezes, nossa ignorância é invisível para nós mesmas(os).

Mesmo quando conseguimos perceber nossos próprios erros, precisamos lembrar que não seremos punidas(os) por dizer: "eu discordo de mim mesma(o)". Precisamos construir uma cultura que celebre essa frase com mais naturalidade.

E você, já praticou a humildade intelectual recentemente? Compartilhe sua opinião comigo ;)

Para continuar se aprofundando:

• Palestra: Humildade, Metamorfose e Estruturas que Aprendem – Keynote que apresentei na Agile Brazil 2022 - Assista aqui.
• Livro: Teoria U: Como liderar pela percepção e realização do futuro emergente - Inspirou a segunda temporada do podcast Pontes e Elefantes​
• Livro: Humbitious: The Power of Low-Ego, High-Drive Leadership. Um livro que mudou minha percepção sobre equilibrar humildade e realização de entregas.