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Raphael Donaire Albino

[Indicadores] Visualizar é decidir: o poder (e o risco) das histórias que os dados contam


Há algo de paradoxal na visualização de dados.

Ao mesmo tempo em que deveria simplificar a compreensão da realidade, ela frequentemente a torna mais confusa. Gráficos sofisticados, dashboards coloridos, painéis interativos, tudo isso pode esconder o essencial: o sentido da história que os dados querem contar.

E é justamente aí que entra o storytelling com dados.

De mil números a uma boa história

A cientista de dados Cole Knaflic, autora do livro Storytelling com dados, define essa prática como a habilidade de combinar contexto, narrativa e visualização para comunicar evidências de forma convincente .

Parece simples, mas é transformador: não se trata apenas de mostrar informações, e sim de construir sentido a partir delas.

Histórias desempenham um papel biológico na nossa compreensão. Elas ativam o sistema límbico, criam conexões emocionais e ajudam o cérebro, que é preguiçoso por natureza, a processar e lembrar padrões .

Quando um gráfico conta uma boa história, ele economiza esforço cognitivo e direciona o olhar para o que realmente importa.

O framework que muda conversas

Gosto de ensinar um modelo simples, mas poderoso: Contexto -> Insight -> Mensagem.

  • Contexto: qual é o problema ou pergunta a que queremos responder?
  • Insight: o que os dados revelam de fato?
  • Mensagem: o que precisa ser feito com isso?

Essa estrutura obriga quem analisa a sair da posição técnica e entrar no campo estratégico. Transforma relatórios em conversas sobre decisão e propósito, o que diferencia entre mostrar dados e comunicar evidências.

Pensar antes de visualizar

Antes de escolher o tipo de gráfico, pergunte-se: "O que quero comunicar?", "Meu dado é conceitual ou quantitativo?", "Estou explorando ou declarando algo?"

Essas perguntas vêm do artigo clássico de Scott Berinato na Harvard Business Review, "Visualizations that really work", onde ele propõe que a chave está em entender o propósito e o público antes de escolher o formato da visualização .

Boas visualizações, como eu gosto de ensinar em aula, começam pela intenção, não pela ferramenta.

E seguem princípios que nunca falham: comece pela mensagem, simplifique sem distorcer, forneça contexto e use títulos narrativos ("onde não batemos a meta no T3" é melhor que "vendas T3") .

Quando o "arco-íris" não contou a história certa

Alguns anos atrás, eu estava trabalhando em um projeto de melhoria de plataforma e levei ao CEO um gráfico que, para mim, era a síntese perfeita da saúde do fluxo: o Cumulative Flow Diagram (CFD).

O CFD é uma ferramenta poderosa para analisar fluxo de trabalho em sistemas contínuos, mostrando o acúmulo de itens de trabalho em cada estágio, o throughput e o tempo médio de ciclo. É um instrumento essencial para compreender gargalos e estabilidade. Escrevi sobre isso neste artigo.

Mas logo no terceiro slide, o CEO me interrompeu:

“Rapha, eu não entendi nada. Esse gráfico parece um arco-íris. Qual é o propósito?”

Naquele momento, percebi o erro: eu estava tentando comunicar decisões de negócio por meio de uma visualização técnica de fluxo.

Ele não queria entender as dinâmicas do sistema, queria saber se o escopo estava crescendo, se estávamos entregando mais do que entrava e quando terminaríamos o projeto.

Foi quando percebi que precisava traduzir o CFD para uma linguagem executiva.

A solução veio na forma de um gráfico de burnup com projeções.

O burnup chart mostra o progresso acumulado de entregas ao longo do tempo e, quando combinado com uma faixa de previsão, comunica algo que qualquer líder entende: em que ritmo estamos avançando e quando provavelmente chegaremos ao fim.

Visualmente, é muito mais simples: duas linhas, um eixo de tempo e uma área sombreada de incerteza.

Mas o impacto foi completamente diferente. A conversa, antes técnica, virou estratégica.

O gráfico "arco-íris" exigia interpretação; o burnup oferecia clareza. O primeiro era sobre o sistema; o segundo, sobre a decisão.

Visualizar é decidir o que mostrar (e o que deixar de fora)

Uma boa visualização não é neutra.

Ela exige escolhas: o que destacar, o que simplificar, o que esconder para que a mensagem apareça.

E aqui vale o mantra que repito: menos é mais, mas simplismo é menos.

"Menos" não significa omitir nuances, significa eliminar o ruído que impede o foco naquilo que realmente importa.

Storytelling com dados, portanto, não é uma técnica de design, mas sim uma disciplina de pensamento.

É a arte de criar um denominador comum, um ponto de convergência que permite que diferentes perspectivas conversem ao olhar para a mesma evidência.

Fechamento

Encerrando esta edição, compartilho também uma notícia: decidi que o ciclo semanal desta newsletter termina no fim deste ano.

A disciplina de escrever toda semana tem sido transformadora. Ela me obriga a organizar o pensamento, mas também consome energia e espaço mental.

Até lá, quero aproveitar esse ciclo para explorar os temas que mais ressoam com quem me acompanha.

Se houver algum assunto que você gostaria que eu abordasse, basta responder a este e-mail.

Eu leio tudo e prometo priorizar o que fizer sentido nesse fechamento.

Nos vemos no próximo mergulho.

Raphael Donaire Albino

Esta newsletter foi criada para quem busca estar à frente em um mundo em constante evolução. Aqui, você encontrará insights valiosos sobre liderança, gestão moderna, pensamento sistêmico e desenvolvimento de produtos digitais, além de reflexões sobre o equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Seja você uma liderança, profissional de tecnologia, empreendedora ou entusiasta do aprendizado contínuo, este espaço oferece conteúdos práticos, inspiradores e alinhados às demandas do século XXI. Junte-se a uma comunidade de pessoas que, assim como você, estão sempre em busca de crescimento e transformação. 🚀

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