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Raphael Donaire Albino

[Estratégia] Escrever para pensar: como o 6-pager devolve coerência à estratégia


Muito se fala sobre compreender a estratégia de uma organização. Mas, afinal, o que é estratégia e, talvez mais importante, como representá-la?

Entre frameworks e templates que prometem estrutura e clareza, esquecemos que estratégia é uma forma de pensar, não um modelo a preencher. Ela é, antes de tudo, uma hipótese sobre o que funcionará, uma narrativa sobre como uma organização escolhe agir diante de um desafio relevante.

Nos últimos anos, revisitei repetidamente a definição proposta por Richard Rumelt, autor de Good Strategy, Bad Strategy. Sua visão é desarmante em sua simplicidade:

"Uma boa estratégia é uma resposta coesa a um desafio importante".

E, como ele detalha, toda boa estratégia é composta por três elementos que se sustentam mutuamente:

  • Um diagnóstico que revela a natureza do problema;
  • Diretrizes políticas que orientam o caminho a seguir; e
  • Ações coerentes que tornam essa direção tangível.

Quando esses três elementos estão em harmonia, a estratégia cria força por meio da coerência do seu design. Ela não depende apenas da força existente, mas a gera alinhando escolhas, recursos e intenções.

O que diferencia uma boa de uma má estratégia

Rumelt nos lembra que uma boa estratégia quase sempre parece simples e óbvia em retrospecto. Ela não nasce de slides elaborados, mas de um entendimento sobre o que realmente importa.

Uma liderança hábil é capaz de enxergar um ou dois pontos críticos e concentrar energia ali (em outras palavras, foco).

Em contrapartida, uma má estratégia é como um ruído disfarçado de raciocínio. Ela aparece quando há:

  • Floreio, com palavras sofisticadas que escondem a falta de substância;
  • Negação do desafio, quando a liderança evita olhar o problema de frente;
  • Confusão entre metas e estratégia, como se declarar uma ambição fosse o mesmo que traçar um caminho;
  • Objetivos irreais, que não lidam com as restrições do sistema.

Em essência, organizações com má estratégia costumam ter listas de iniciativas, não escolhas.

E escolher é o que dá forma ao pensamento estratégico: a coragem de dizer não a caminhos tentadores para que um foco ganhe potência.

Rumelt também fala sobre alavancagem estratégica, que é a capacidade de concentrar esforço em poucos pontos de desequilíbrio que podem liberar forças maiores. É quando um ajuste aparentemente pequeno (como mudar a proposta de valor de um produto ou redefinir um segmento-alvo) provoca um deslocamento sistêmico.

Mas identificar esses pontos exige algo raro: atenção ao contexto e disposição para questionar o senso comum.

O 6-pager: estratégia que cabe em seis páginas

Em um mundo onde "pensar" virou sinônimo de criar apresentações intermináveis, a Amazon decidiu seguir o caminho inverso. Jeff Bezos instituiu o 6-pager, um documento de, no máximo, seis páginas, como formato padrão para discutir decisões estratégicas.

Não há slides. Não há bullet points. Há escrita. E, com ela, o pensamento estruturado.

O 6-pager é uma espécie de ensaio estratégico. Ele obriga quem escreve a entender, organizar e comunicar o raciocínio completo, não apenas o que fazer, mas o porquê e o como.

Em linhas gerais, sua anatomia inclui:

  • Contexto e propósito: qual o desafio a ser endereçado e por que ele importa;
  • Situação atual: o diagnóstico do ambiente, combinando percepções internas e externas.
  • Oportunidades e riscos: as forças em jogo, as restrições e as tensões a administrar.
  • Objetivos e apostas: onde queremos chegar e o que estamos dispostos a tentar.
  • Ações e plano: o conjunto de movimentos que tornam a direção exequível.
  • Métricas e mecanismos de acompanhamento: como saberemos se estamos aprendendo ou apenas repetindo o movimento.

Mais do que um formato, o 6-pager é uma tecnologia de clareza. Ele expõe incoerências, evidencia lacunas de raciocínio e força o coletivo a distinguir entre narrativa e argumento.

Quando escrevemos, pensamos e alinhamos

Tive a oportunidade de aplicar o modelo no Nubank, em contextos de discussão de portfólio e priorização entre unidades de negócio.

O 6-pager servia como ponto de partida para as conversas entre lideranças, pois trazia estrutura ao caos natural da estratégia: declarava o que havia acontecido, descrevia o estado atual (com base em análises internas e externas), delineava objetivos e traduzia ambições em apostas.

Ao contrário de decks extensos que geram dispersão, o 6-pager produzia foco e alinhamento. As reuniões deixavam de ser sobre "opiniões" e passavam a girar em torno do texto, e isso muda tudo. Um texto pode ser questionado, aprimorado, reescrito. Ele convida à reflexão, não à performance.

Em termos práticos, o 6-pager cria uma cultura em que a estratégia se torna legível.

A liderança não fala em jargões, mas em hipóteses. A equipe entende não só o que precisa ser feito, mas por que aquela escolha faz sentido agora.

E talvez essa seja a maior força do método: ele conecta o pensamento estratégico de Rumelt (diagnóstico, diretrizes e ações coerentes) a um instrumento tangível que ajuda a cultivar coerência organizacional.

Fechando a conversa de hoje

Tenho refletido sobre como escrever é, em si, um ato de liderança. Ao escrever, somos forçados a pensar, a escolher, a eliminar o ruído.

E é por isso que modelos como o 6-pager me fascinam: porque eles nos lembram que clareza é um trabalho, não uma dádiva.

Caso tenha se interessado pelo modelo, deixo a dica de um corte de podcast onde o Jeff Bezos fala sobre o assunto.

Encerrando esta edição, compartilho também uma notícia: decidi que o ciclo semanal desta newsletter termina no fim deste ano.

A disciplina de escrever toda semana tem sido transformadora, pois me obriga a organizar o pensamento, mas também consome energia e espaço mental.

Até lá, quero aproveitar esse ciclo para explorar os temas que mais ressoam com quem me acompanha.

Se houver algum assunto que você gostaria que eu abordasse, basta responder a este e-mail.

Eu leio tudo e prometo priorizar o que fizer sentido dentro desse fechamento.

Te vejo no próximo mergulho.

Raphael Donaire Albino

Esta newsletter foi criada para quem busca estar à frente em um mundo em constante evolução. Aqui, você encontrará insights valiosos sobre liderança, gestão moderna, pensamento sistêmico e desenvolvimento de produtos digitais, além de reflexões sobre o equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Seja você uma liderança, profissional de tecnologia, empreendedora ou entusiasta do aprendizado contínuo, este espaço oferece conteúdos práticos, inspiradores e alinhados às demandas do século XXI. Junte-se a uma comunidade de pessoas que, assim como você, estão sempre em busca de crescimento e transformação. 🚀

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